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PARATY COMEMORA TÍTULO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL DA CACHAÇA

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Cidade acumula séculos de tradição na produção de aguardente e se prepara para os 30 anos do Festival da Cachaça

A menos de um mês para o Festival da Cachaça 2012, Paraty, no Sul Fluminense, está na contagem regressiva para o evento que se tornou um dos maiores do calendário oficial da cidade. E no ano em que o festival completa 30 anos, produtores e amantes da cachaça receberam um presente que dará “gostinho” especial à festa: a pinga – como ficou popularmente conhecida – se tornou Patrimônio Histórico Cultural do Estado através de uma lei sancionada pelo governador Sérgio Cabral há pouco mais de uma semana.

A notícia foi comemorada pelos produtores de aguardente de Paraty, que esperam que o mercado da cachaça artesanal cresça ainda mais e conquiste terras estrangeiras em larga escala.

– Nós queremos mostrar que a cachaça não é um simples destilado, mas um produto nacional carregado de história e cultura e, por isso, precisa ser valorizado – afirmou Eduardo Mello, herdeiro da família de alambiqueiros mais tradicionais da cidade, produzindo, desde 1803, a cachaça Coqueiro, que recebeu selo de excelência do Ministério da Agricultura em 2004.

A cachaça fabricada no município de Paraty – maior produtor do estado – é a única do país com Indicação Geográfica, desde 2007, concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Trata-se de uma espécie de selo contendo o seguinte texto: Indicação de Procedência – Paraty. Isso impede que o nome do município seja usado em embalagens de aguardentes fabricadas em outras localidades, o que era comum já que, no passado, a palavra “Paraty” chegou a ser usada como sinônimo para cachaça, assim como pinga e branquinha.

A cidade – que chegou a abrigar, no final do século XVII, 160 engenhos de aguardente – tem apenas sete alambiques em funcionamento atualmente. E a diferença entre eles não está apenas no rótulo da marca, mas no produto final. De acordo com o dono da cachaça Pedra Branca, Lúcio Freire, embora o processo produtivo de fermentação e destilação do caldo da cana seja o mesmo, instalações diferentes e “segredos” próprios influenciam na bebida que chega aos copos do consumidor. A cachaça ouro da marca recebeu dois prêmios – um nacional e outro estadual – graças à utilização de toneis de carvalho francês no envelhecimento da bebida.

– Cada alambique tem sua receita de levedura e a diferença na forma de produzir resulta em aroma e sabores peculiares – explica Lúcio, que produz cachaça há apenas três anos.

A curiosidade sobre o processo produtivo de uma das cachaças mais famosas do Brasil leva milhares de turistas por ano a visitarem os alambiques da região. Foi o caso da família de Antonio Carlos Monteiro que, pela segunda vez na cidade, decidiu fazer um tour para conhecer os engenhos.

– Eu não sabia como a cachaça era feita, por isso, estamos percorrendo alambiques. Minha família gosta muito de cachaça artesanal. Acho que é a bebida que tem mais a cara do brasileiro – afirmou o analista de suporte, que não perdeu a degustação de aguardentes.

Boa para o paladar feminino

Há quem ainda afirme que cachaça é bebida para homem, mas basta andar pelas ruas de Paraty para ver mulheres degustando e comprando aguardentes em cachaçarias especializadas. Para atingir esse crescente público, além da tradicional branquinha, das cachaças envelhecidas e da azulada típica de Paraty (destilada com folha de tangerina), os alambiques produzem outras versões com sabores: caramelada, cravo e canela e frutas. Essas misturas tornam a bebida mais agradável ao sensível paladar feminino.

E tem mulher também colocando a “mão na massa” nos alambiques. É o caso de Maria Izabel Gibrail Costa, de 62 anos, que produz uma cachaça que leva o seu nome há 16 anos. Pertencente a uma família tradicional de produtores de aguardente de Paraty, que chegaram a exportar o produto para Portugal em meados do século XVII, ela retomou o ofício familiar fabricando em um sítio à beira-mar cachaças brancas e envelhecidas. Maria Izabel conquistou consumidores fiéis, mas conta que chegou a sofrer preconceito.

– No início, as pessoas achavam estranho, diziam que mulher não sabia fazer cachaça e que meu produto era fraco. Mas, na verdade, a minha cachaça é uma das mais fortes com 44% de teor alcoólico. A diferença é que ela não arde tanto porque é menos ácida e isso tem a ver com o meu processo de produção que é diferente. Eu sempre digo que minha cachaça é como a mulher: forte, mas suave – explicou Maria Izabel.

Em Paraty, o ciclo da cachaça já dura quatro séculos, contribuindo para o fortalecimento da economia, estimulando o turismo e incrementando a gastronomia típica da região. A bebida não está apenas nas garrafas e nos drinks, como a famosa caipirinha, mas também nas panelas de casas e restaurantes de Paraty. Alimentos flambados em cachaça e doces produzidos com aguardente conquistam o paladar de moradores e turistas.

Do popular ao refinado

Considerada uma bebida destinada a pessoas de classes inferiores, a cachaça foi historicamente marginalizada. Documentos mostram que a fabricação de aguardente no Rio de Janeiro chegou a ser proibida pelo Reino Português no século XVII.

No entanto, nos últimos anos, a cachaça tem conquistado, cada vez mais, apreciadores de classes mais altas da sociedade. Até o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se rendeu ao charme da “branquinha” e reconheceu, em abril deste ano, a cachaça como um produto tipicamente brasileiro. Para o historiador e vice-presidente da Casa de Cultura de Paraty, Diuner Mello, a cachaça está passando a ser vista como uma bebida de qualidade.

– No momento em que se reconhece a cachaça como Patrimônio Histórico Cultural do Estado, está se reconhecendo uma técnica de produção, um conhecimento ancestral que tem que ser valorizado porque é a própria razão de formação cultural do povo do estado – disse o historiador.

No ano passado, o Festival da Cachaça, em Paraty, atraiu cerca de 30 mil pessoas e as expectativas para edição deste ano, de 16 a 19 de agosto, são as melhores.

– O Rio de Janeiro está na moda, tanto que nós vamos ter Copa do Mundo e Olimpíadas. E, para a nossa alegria, a cachaça também está na moda. Não só os brasileiros, mas os turistas adoram – disse o produtor de aguardente Lúcio Freire.

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